Já imaginou ser barrado pela Polícia Federal prestes a embarcar para uma viagem à Europa?
Foi o que aconteceu no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, quando um casal de empresários teve seus passaportes retidos pelo órgão federal em razão de uma dívida trabalhista no valor atualizado de R$ 541 mil, advinda de ação promovida em 2005 pela antiga funcionária da Clínica de Odontologia em que eram proprietários, tendo sido requerido à época o reconhecimento do vínculo de emprego entre os anos de 1998 e 2005.
O caso em tela se deu diante da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, quando o juiz titular Marcos Rafael Pereira Pizino impediu o embarque do casal, por meio da retenção do passaporte. De pronto, a defesa ingressou com habeas corpus com pedido de tutela de urgência para liberação dos documentos, alegando a ilegalidade da retenção, já que haveria ocorrido recente penhora na conta corrente de uma das empresas dos reclamados no valor de R$ 80,3 mil.
O pedido foi negado pelo desembargador Carlos Alberto May que, reforçando tratar-se de ação trabalhista que teve início quase 20 anos atrás e com condenação, alegou o seguinte: "Importante referir que, compulsando os autos da ação principal, verifico que todas as tentativas de execução contra a empresa demandada e seus sócios, ora pacientes, resultaram infrutíferas, não havendo sequer garantia de execução até o momento", disse o desembargador.
Ainda, o desembargador assertivamente citou recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5941, em que, conforme dispõe o próprio artigo 139, IV do Código de Processo Civil, autoriza o juiz a “determinar medidas coercitivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, como é o caso da apreensão do passaporte, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Cumpre destacar que o poder conferido ao magistrado em determinar medida coercitiva é de fato valoroso se na circunstância real demonstrar-se a necessidade para tanto, isto é, respeitados os princípios do devido processo legal, da proporcionalidade e da eficiência.
Nesse sentido, o item 10 da Ementa da ADI nº 5941 (link para acesso abaixo) traz, categoricamente, a importância de o Poder Judiciário gozar de instrumentos de “enforcement e accountability” acerca do comportamento que se espera da parte devedora, ou seja, ao mesmo tempo que se deve evitar situações antijurídicas, tais como a violação dos deveres de cooperação e má-fé das partes, este conceito não se confunde com a punição a devedores que não detêm meios de adimplir suas obrigações. Aqui, trata-se de cenário em que claramente a parte devedora possui os recursos para a adimplência.
A efetividade no cumprimento das ordens judiciais não serve apenas para beneficiar o credor em obter seu pagamento ao fim do processo, mas incorre, também, em uma postura cooperativa dos litigantes durante todas as fases processuais, contribuindo até mesmo para a redução da quantidade e duração dos litígios.
É por todo o exposto que, sob o contexto factual em que o casal de empresários reclamado teve seus passaportes retidos no aeroporto exatamente por conta da não cooperação com as decisões judiciais prolatadas desde a primeira década do século, reconhecido o vínculo empregatício e determinado o pagamento à reclamante, depreende-se que os magistrados foram assertivos na aplicação da coerção, tendo em vista a excessiva demora e ineficiência, inclusive se considerarmos a perspectiva da análise econômica do direito.
Helena Jacob Boim – Cornacchioni Sociedade de Advogados
Segue link do Site do STF com a Ementa da ADI 5941 na íntegra para acesso: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%205941%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true
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